Perspectivas para cannabis em 2024: O que esperar quando se está esperando

As discussões, estudos, e pautas sobre a cannabis medicinal tomaram conta do noticiário e das mídias sociais em 2023. Diversos estudos científicos vêm sendo conduzidos para entender o potencial terapêutico das substâncias encontradas na cannabis, e traçar o perfil de risco e beneficio dessa planta que teria potencial para revolucionar a medicina moderna.

No entanto, barreiras legislativas e regulatórias ainda brecam o progresso da medicina canabinoide no Brasil. É verdade que avanços aconteceram. Vários municípios e estados incluíram leis que regulamentam o acesso gratuito a cannabis medicinal através do Sistema Único de Saúde. No estado de São Paulo, por exemplo, finalmente foi publicado o Decreto nº 68.233/23, que regulamenta o acesso gratuito a cannabis através do SUS, para doenças ali especificadas. Resta agora o governo providenciar canais para aquisição dos produtos, para então iniciar sua efetiva distribuição a população carente. Com isso, espera-se reduzir a judicialização, pela qual pacientes processam o governo para garantir o direito ao medicamento sem custo.

Está pendente no congresso nacional a retomada da analise do Projeto de Lei 399/15, que autoriza o cultivo, extração, manipulação, fabricação, importação e pesquisas com produtos derivados da cannabis. O PL foi aprovado na Câmara em 2021, e deveria ter seguido para o Senado, mas foi obstruído através de recurso que questiona o tramite simplificado, adotado na pandemia.

No campo da persecução penal, o país aguarda ansioso a retomada do julgamento do RE de repercussão geral, paralisado pelo STF em agosto de 2023. O processo discute como enquadrar aqueles que forem flagrados com pequenas quantidades de drogas, à luz do art. 28 da Lei de Entorpecentes: como traficantes ou como usuários? A lei já isenta usuários de medidas restritivas de liberdade, e o STF agora é convidado a se debruçar sobre o tema, e pretende criar parâmetros objetivos (quantidades e circunstancias) para que se faça a correta diferenciação entre uso e tráfico. O julgamento assumiu um viés social quando Alexandre de Moraes proferiu seu voto, destacando as injustiças sociais que hoje condenam pobres, analfabetos e negros como traficantes, enquanto enquadram brancos, escolarizados e com renda mais alta, como meros usuários. O julgamento computa 5 votos a favor da despenalização a 1 contrário (Zanin, recém empossado como Ministro da Suprema Corte). O processo já foi devolvido após pedido vistas de André Mendonça, e agora aguarda data para julgamento, pauta que compete ao atual presidente da Corte, Min. Luis Roberto Barroso.

Outra medida bastante esperada pelo mercado é a revisão, pela ANVISA, da RDC 327/19, que criou mecanismo para autorizações sanitárias de produtos de cannabis, mesmo sem estudos clínicos que atestem eficácia e segurança. A norma deveria ter sido revisada em 2023, no entanto a ANVISA pouco avançou na discussão. O mercado anseia por uma regulamentação inclusiva, especialmente às farmácias de manipulação, que de modo inexplicável foram excluídas da permissão regulatória, sendo o único setor da economia impedido de trabalhar com cannabis, mesmo que sejam estabelecimentos com conhecimento técnico e com ampla versatilidade para operar com ditos produtos.

Segundo interlocutores da própria Agencia, ainda está pendente a analise de impacto regulatório, para que então um texto de consulta publica possa ser divulgado, abrindo prazo para manifestação dos setores produtivos e da população em geral.

Noutra frente, a própria ANVISA já havia sinalizado conversas com o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento para incluir a cannabis medicinal veterinária no arcabouço legal existente (de produtos sob controle especial da P. 344/98, cuja regulamentação recai sobre a ANVISA). A inclusão prometida para o segundo semestre de 2023 ainda não ocorreu. A prescrição por médicos veterinários já ocorre na prática, mas não há uma legislação que garanta a legalidade desta prática, deixando todo o setor de saúde animal a descoberto, sem segurança jurídica.

O ano de 2023 se encerrou frustrando algumas expectativas dos entusiastas da cannabis medicinal, apesar de avanços como a inclusão do acesso através de SUS em várias cidades e estados Brasileiros. Para 2024 fica a esperança de que o mercado de cannabis seja regulamentado de forma ampla e inclusiva, e que o Brasil possa ocupar lugar de destaque nas pesquisas, cultivo e propagação da medicina canabinoide.

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